Pois bem.
Passou-se um ano. Passou-se um ano desde que conheci a família do lado do meu pai.
Não que tenha grande memória para estas coisas, ou melhor, até tenho memória para estas coisas e muitas outras (coisa que me dá conta dos cornos, porque não esqueço nada) mas, neste caso, acabei por memorizar que era o marco anual porque a avó paterna fazia anos.
Lembram-se também? Parece que foi ontem, que escrevia aqui dizendo que tinha sido apresentado, qual objecto, pelo meu pai, à minha avó paterna, como se fosse uma prenda de anos.
Está certo que a minha avó materna sempre disse que eu era uma bela prenda mas, opiniões à parte, se é para ser um pequeno objecto embelezador da vida de alguém, ao menos que seja em grande, tipo embrulho num papel bonito e levado assim a dar cor e alegria a uma velhota que não me via há mais de vinte anos. É bom, sentimos que a vida tem algum significado se conseguirmos fazer alguém sorrir, nem que tenhamos de engolir em seco os tais vinte anos e guardá-los naquele espaço do coração para onde lançamos os resíduos incómodos mas tocantes das nossas santas vidinhas.
Então hoje fui lá novamente, cumprir as minhas obrigações de gajo que tem família, procurando ignorar mas não esquecer o facto de que a verdadeira família biológica serve agora de alimento à fauna e flora de uma das praias perto da Ericeira. Acho que acaba por nos fazer sentir melhor quando nos convencemos que gostam de nós, mesmo quando estamos sentados a uma mesa com um monte de gente, com um sorriso amarelo, e com a certeza absoluta que se estão a cagar. Mas o importante mesmo é estarmos convencidos que ter pai, avós e tios que seriam capazes de dar a vida (ou não, mais certamente) por nós é algo maravilhoso.
Talvez eu seja um pouco seco e sarcástico nestas coisas, mas penso que devo ser um pouco como um porco fumado. Há ali uma parte do coração que vai batendo forte como se não houvesse amanhã, rodeado de umas pontas secas e já mais negras que se assemelham mais a torresmos com duas semanas de frigorífico.
Em todo o caso, o bolo de chocolate que a minha prima levou estava porreiro. Talvez por ser de chocolate, e eu ser doido por chocolate. No fundo se merda fosse chocolate, acho que seria capaz de lamber o fundo da retrete.
Ocorre-me pensar na cara que uma colega dos recursos humanos fez quando me fizeram assinar o meu seguro de vida no trabalho e eu perguntei se o herdeiro teria mesmo de ser o meu pai... Por ordem de ideias, se morrer em serviço, o meu pai receberá uma quantia em dinheiro, algo que legalmente simplifica o valor de uma vida humana, indicando que a minha pessoa corresponde a uma dada maquia. Num pequeno aparte fiquei a pensar que como valho tão pouco. A sério. Não estou a gozar. O valor do meu seguro de vida é tão baixo que se o multiplicasse por dois não conseguiria comprar o meu Corsa em estado novo.
Em todo o caso, estes valores são relativos. Se morrer em serviço, o meu pai terá dinheiro suficiente para me fazer o funeral e ainda gastar uns trocos algures.
Depois é toda a conversa de merda, em que a minha avó paterna chora por eu lhe chamar avó, ou por não lhe chamar avó. É algo inconsistente. A minha Mãe devia ter dito à sogra o mesmo que me ensinou a mim: chorar não leva a nada, e não é a chorar que se resolvem os problemas. Mas a mulher chora... enfim.
Fico meio confuso com estas coisas. Eu já nem a mim me entendo bem, quanto mais à pobre senhora.
E normalmente as coisas nem me chateiam a sério. Ok, passo noites acordado e rumino as merdas como os bois as alfaces, mas não fico propriamente tocado. Reparei a forma como o meu pai estava a brincar e a pegar ao colo do mais recente membro da família - com alguns meses; reparei que estava ali todo babado com a criança. Não pude deixar de pensar como as coisas são curiosas, e como ele conseguiu estar a dormir quando a minha Mãe foi para a maternidade, como ele nunca me fez aquelas cenas ou brincou comigo daquela maneira. Levava-me à escola. Enquanto morou connosco levava-me à escola, mas não consigo lembrar-me de nada que tenha dito. Provavelmente porque nunca dizia nada. Ou então porque as perguntas que eu fazia nunca tinham resposta. Provavelmente porque toda a gente sempre soube, que era uma filha que ele queria, e não um filho.
E muito provavelmente, como as coisas não mudam de um dia para o outro, conformou-se apenas com a ideia de ter um filho e levou-me a conhecer a família.
"Este é o Pato Marques, demolhado e ultracongelado, em embalagem não muito atraente, mas resistente; fica sempre bem num móvel ou para apresentar nas reuniões de família. Vende-se ou troca-se por uma galinha."
O que é estúpido é ver que ainda me dou ao trabalho de pensar e moer-me com estas merdas.
Mas um dia... (antes de 21 de Dezembro de 2012, espero...)
6 comentários:
A tua prima é boa?
Sabes que estas opiniões são sempre relativas. Em todo o caso, a resposta à tua pergunta, na minha visão, é não.
Bom, então assim já começo a conseguir compreender os sentimentos de tristeza e mesmo de depressão subjacentes ao teu discurso.
Não se pode mesmo contar com a família. Grande gaita!
Pode-se contar com os bons amigos.
Os amigos são uns interesseiros. Só querem saber das primas boas.
LOL
Tenho alguns amigos que têm estado presentes a vida toda. E são muito mais importantes para mim do que a generalidade dos meus familiares.
Talvez os patos possam também estar próximos (emocionalmente - não me refiro às partes do corpo) toda a vida.
Pah, a forma como dizes as coisas faz tudo parecer tão nobre...
Concordo inteiramente, aliás, são os meus amigos a minha verdadeira família. A mistela biológica que sobra que se foda.
Garantidamente, os patos estarão emocionalmente unidos (sem paneleiragens) toda a vida.
Enviar um comentário