E no outro dia estava eu já deitado a ruminar a minha nocturnidade quando, eis quando senão, uma batida bem forte vinda da rua.
Tipo, tentem visualizar isto... Fiat Punto amarelo, todo iluminado no seu interior, jantes maiores que o próprio carro, colunas a ocupar todo o assento traseiro e o gajo dentro do carro a ouvir em alto som como se não houvesse amanhã... Daniel Bedingfield!
E ali esteve o jovem, a serenatar ou a curtir a mágoa ou alegria, fazendo não se sabe bem o quê na esquina.
Achei o espectáculo minimamente curioso.. mas como a banda sonora também não me estava a chatear por aí além, foi deixá-lo estar.
O mesmo já não se poderá dizer do meu vizinho da frente que, em alto e bom som, já perto da uma da manhã, mete a cabecinha de fora da janela e grita qualquer coisa como:
"Oh seu cabrão filho de uma grande puta, vê se páras com essa merda antes que seja eu o tal que vai aí abaixo rachar-te o caralho dos cornos à paulada"
Se por um lado achei simplesmente admirável a forma delicada como o gajo conseguiu utilizar quase todos os insultos disponíveis para a ocasião - ok, faltou o 'foda-se' pelo meio... mas aí faltava eu no meu humor matinal - por outro achei delicioso o detalhe do "antes que seja eu o tal que vai aí"... é que entretanto estava o Punto de Bergerac a tocar o "If you're not the one"... Com toda a certeza, o momento para tal saída foi o ideal, tendo-me mesmo ocorrido ir à janela gritar ao bacano que era o maior.
Penso que a saída não tenha sido intencional mas, em todo o caso, é sempre agradável e positivo ter laçadas deste género. Daquelas coisas que não acontecem todos os dias. Engloba-se no ter uma namorada chamada "Delilah" e começar a tocar o "Hey there Delilah", ou ver uma Jude no lado de lá da rua enquanto se ouve o "Hey Jude", ou então mesmo aquela viagem de táxi em que começa a passar o "Drive" na rádio. Aquele passeio solitário a meia-luz debaixo de uma ponte ao som do "Sound of Silence" ou, em última análise, o "All I want for Christmas" a passar no rádio do autocarro naquela viagem para o trabalho no primeiro dia da época natalícia.
De qualquer forma o "antes que seja eu o tal que vai aí abaixo rachar-te o caralho dos cornos à paulada" estrategicamente 'tocado' aquando do "if you're not the one..." foi, única e simplesmente poético. Teve aquele toque pessoano e camoniano ao mesmo tempo que quase se podia beber um Porto ao som daquela merda.
E a acústica da minha rua à uma da manhã tem aquela particularidade de dar azo aos pequenos sons mudos que ecoam na escuridão... é que foi mesmo naquele intervalo entre a passagem da Carreira da Madrugada à 01.00 e o carro do lixo à 01.30.
Penso que toda a gente deveria ter a oportunidade de poder ouvir Daniel Bedingfield numa rua que não a sua, de madrugada, só pelo prazer da ofensa que ecoaria oriunda de um qualquer sub-andar de um prédio escondido.
Mas com o 'foda-se'; esse vale ouro.
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