O prédio onde moro tem uma arquitectura idiota.
Basicamente, entre duas fracções do mesmo andar, tem um corredor de acesso a uma delas, não sei se me faço entender. Na realidade, se o morador do A ou do D desejar chegar a casa, tem de passar por um corredor que dá para as janelas do B e do C.
Esse corredor é comum a todas as fracções mas, infelizmente, os idiotas dos A's e D's acham-se donos e senhores do dito cujo. Porém, para os lixar, esse corredor é forrado a janelas.
Uma delas, bem grande, de vidro batido dá para a minha cozinha; a outra, mais pequenina e no topo, dá para a casa de banho.
Assim, se os meus vizinhos quiserem entrar ou sair em casa à mesma hora que o meu relógio biológico dispara, têm de suportar com um valente cheiro a merda.
É incómodo. Por um lado, os senhores não têm nada que levar com o meu cheiro, que considero que deva ser de certa forma meio desagradável (eu não imagino, porque os filhos nunca cheiram mal aos pais); por outro lado, sempre que ouço a portinha deles a abrir, tenho de conter um peido que depois acaba por não sair e deixa-me indisposto durante o resto do dia.
É que o chato é que me sinto na minha própria sanita como se estivesse numa daquelas áreas de serviço na autoestrada... em que damos um peido e surge logo um comentário do lado de lá... "ehhhh láaaaa! Dá-lhe com força". É desagradável, sim.
A alternativa é a janela da cozinha.
Mas o que irrita é que à noite não posso andar de rabinho ao léu (ou com qualquer outra coisa ao léu) porque, em contra-luz, vê-se tudo do lado da varanda.
Em contrapartida, do lado de lá, tenho de levar com os risinhos doidos da vizinha quando o marido faz a festa na varanda ou, em casos mais extremos, com os comentários relativos às ervas aromáticas que os desgraçados plantam debaixo da minha janela: "ah, pois, realmente a salsa está a morrer..."; claro, se eu fosse um ramo de salsa debaixo da janela de um gajo que caga duas vezes ao dia também morreria... só eles não entendem isso.
Uma vez estava eu muito bem sentado na retrete a dar o meu contributo ao mundo, quando ouço baixinho do lado de lá... "foda-se, que cheiro a merda".
Eu não queria, mas vi-me obrigado a explicar que estava a cagar, na minha casa, na minha sanita, do meu lado da parede, pah!!!! Que culpa tenho eu que o vizinho goste de tomar o pequeno-almoço a um metro de mim, apenas separado por uma parede? Haja paciência, mas o meu relógio biológico ninguém o pára.
Um gajo já nem sequer pode atender o telefone na cozinha... sinto-me vigiado, é enervante. Começo a falar mais alto e as vozinhas param do lado de lá.
E no fundo, eu até sou educado. Contenho o peido quando eles vão a passar e não digo nada quando recebem as visitas no corredor.
Já a Cindy é bem mais realista nesse aspecto. Peida-se sonoramente como se não houvesse amanhã e por vezes parece que está à espera que eles vão para o corredor para largar o calhau.
Vou começar a ser mais como ela e projectar o que tenho a projectar sempre que me apetece.
A mim também me incomoda o cheiro a coentros pela manhã mesmo debaixo do chuveiro.
Acho que é mais que justo que cada um largue o que tem a largar sempre que é necessário.
Em todo o caso, sinto-me mais eu, mais humano. É sempre bom saber que os coentros estão a crescer com o meu contributo precioso.
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