03/09/2008

petzi

Algures na imensidão de livros que habitam a minha casa, devo ainda ter a colecção inteira do favorito da minha infância.
Os que pensavam que me deliciava somente com o Tio Patinhas, estavam enganados. Bom, obviamente que era completamente doente pelos livrinhos da Disney, estrategicamente traduzidos e vendidos pela editora brasileira Abril... sofria com o Tio Patinhas sempre que ele chorava ao pagar os impostos sobre o capital da sua Caixa-Forte, suava com as aventuras do Huguinho, Zezinho e Luisinho, delirava com o eterno namoro da Margarida e do Pato Donald.
De qualquer forma, a minha infância foi também populada por outras personagens. O meu favorito sempre foi as Aventuras do Petzi.
Ora, o Petzi, era um urso marinheiro que tinha construído um navio chamado Mary (mais tarde, a meio da colecção, o Mary afunda-se e ele constrói o Mary II). O urso tinha uns calções vermelhos com bolinhas brancas que tinham sido feitos pela mãe dele a partir de uma toalha de cozinha; a adicionar a isto, possuia um gorro azul.
As aventuras dele rondavam sempre o absurdo mas, do mal o menos, era sempre acompanhado pelos amigos (ainda mais bizarros que ele): o Pingo, que era um pinguim; o Riki, um pelicano que metia toda a merda no bico; e, finalmente, o Almirante, uma foca que andava sempre de mãos nos bolsos a falar das suas aventuras no Golfo da Biscaia.
A juntar a isto, havia o avô do Petzi, um grande inventor que morava numa ilhazinha e a mãe do Petzi, que aparentemente só sabia fazer panquecas.
Os gajos gostavam todos imenso de panquecas, de forma que caíamos sempre invariavelmente na música do "eu não gosto de sopaa, opaaa, opaaa... eu gosto é de panquecas..."; enfim, foi a dirty joke da noite.
Para os parcos leitores que devem já estar a bocejar com esta merda que não interessa a ninguém, prometo que se lerem até ao fim são capazes de encontrar um motivo para estar a descrever a fundo as aventuras do Petzi.
Voltando ao enredo, sempre achei um bocadinho estranho a cena familiar envolvente a todas as personagens.
O Petzi tinha mãe e avô... nunca se ouviu falar do pai; o Pingo só tinha irmãos...; o Riki e o Almirante, aparentemente, nem sequer tinham família. E depois pareciam ser todos bem putos, iam à escola e esta ocorria apenas uma vez a cada cinco ou seis aventuras...
Já o Mary, assemelhava-se bem mais a um avião a jacto que a um barco a gasóleo; nunca percebi como é que os gajos faziam o percurso Europa-América-China num só livro de trinta e tal páginas.
Mas o que importa é que aquela merda era brutal. E passei grande parte da infância, a levar os meus intestinos a lugares nunca antes visitados sempre que ia comer panquecas à cafetaria Mexicana, na Guerra Junqueiro... aos anos que lá não vou :(
Efectivamente, os amigos do Petzi eram aos pacotes mas, há ainda dois que não referi: os gajos tinham duas mascotes. Um papagaio cor-de-rosa e uma tartaruga.
O papagaio era supostamente macho mas, parecia um bocado apaneleirado com as penas cor-de-rosa... já a tartaruga, carregava pesos brutais, fazia cenas que nos faziam lembrar que só poderia mesmo ser um gajo e, no final, chamava-se "Carolina".
Isto era um problema.
Com as minhas crises existenciais e anomalias sociais a revelarem-se já aos 6 anos, eu sempre tive um medo de morte da letra R.
Acordava durante a noite e imaginava que o R me ia matar. Depois era um berreiro brutal e lá aparecia alguém que acendia a luz e me dizia que não, não havia problema... mas logo depois, a letra voltava a aparecer debaixo da cama, luminosa, fulminante e pronta a arrancar-me as entranhas e a devorar-me à minha condição de ser vivo.
Talvez por esse motivo, vários anos se passaram sem que conseguisse dizer os R's... Ora, a malta sabia perfeitamente que eu não era capaz e, qual palhaço se tratasse (ah, vá lá... para quê mentir... era mesmo um palhaço! ainda sou...) adoravam pedir-me para dizer as personagens do Petzi. E o otário, cabrões de merda, lá dizia o nome de todos até chegar à puta da tartaruga.
"Ah, e como se chama a tartaruga do Petzi, diz lá...?"
E o bronco dizia todo contente, como se estivesse a dizer a merdice mais lógica do mundo:
"Uhhh, é a ta'tauga Caliiiiindaaaaa"
Foda-se, isto é mesmo deprimente.
Agora que penso bem nisto, percebo que durante anos fui também eu uma mascote que animava a malta nas noites de Natal.
Agora que penso bem nisto, entendo perfeitamente que sempre tive excelentes capacidades para ser o palhaço da zona.
Agora que penso nisso, devia era ter mandado a malta para o 'caálho sempre que me pediam para dizer o nome da tartaruga.

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