16/11/2008

o Rei

Há muitos, muitos anos, numa província perdida a Oriente, um Rei perdeu um filho na guerra.
Era o seu único filho, pelo que tal acontecimento originou-lhe tal dor no coração que nunca mais foi capaz de governar.
O reino abatia-se sobre si próprio, sem ter quem o segurasse... e o povo começou a ficar preocupado.
Os melhores conselheiros do Rei tentaram em vão animá-lo mas o Rei não melhorava.
Então, um artesão levou à corte um jogo de sua autoria, tentando com isso levar um pouco de alegria ao seu governante.
O jogo era um pequeno tabuleiro composto por 64 quadrados: 32 pretos e 32 brancos. Cada jogador possuia 16 peças que representavam os vários elementos de um exército.
O Rei aceitou o desafio e começou a jogar. Jogava com os cozinheiros, jogava com os membros da corte, jogava com toda a gente.
Às vezes o Rei ganhava e mandava decapitar os adversários... outras perdia, e mandava decapitar os vencedores :)
Após ter melhorado francamente e ter recomeçado a governar o Reino, chamou o artesão para lhe agradecer pessoalmente tão genial ideia.
O artesão foi à presença do Rei, mas recusou qualquer tipo de recompensa.
Perante tal insistência, que poderia ser considerada desobediência para com o seu Senhor, o Rei forçou-o a aceitar um presente ou seria morto.
O artesão pensou e acabou por revelar o que desejava.
Na primeira casa do tabuleiro, deveriam colocar um grão de trigo.
Na segunda casa, o dobro da primeira ou seja, dois grãos de trigo.
Na terceira casa, o dobro da anterior ou seja, quatro grãos de trigo...
E por aí fora, até chegarem à última casa.
O Rei mandou de imediato buscar um saco de trigo e começaram a distribuição. Acontece que ainda não tinham chegado ao fim da segunda linha e já o saco estava vazio...
Foram trazendo sacos e sacos, mas cada vez mais depressa eles ficavam vazios.
Finalmente, também o Celeiro Real ficou vazio.
O Rei ficou furioso, sentiu que tinham troçado dele e exigiu uma explicação ao artesão.
Para quem ainda não topou a profundidade disto, o artesão estava a trabalhar com as potências de base 2...
Na primeira casa, existiam 2^0 grãos de trigo, ou seja 1.
Na segunda casa, o dobro da anterior, 2^1, ou seja 2.
Na terceira, idém, 2^2, ou seja 4...
Acontece que apenas na última casa, existiam 2^63 (não se esqueçam que começámos no 0) grãos de trigo. Contas feitas e são 9223372036854775808 grãos - isto só na última casa! Teríamos ainda de somar todas as anteriores.
O problema é que, se considerarmos que um grão de trigo pesa 1 grama, teríamos qualquer coisa como 9223372036854775808 gramas ou 9223372036854,775808 toneladas... qualquer coisa como mais do que toda a produção de trigo da Humanidade, o que é algo positivo.
A moral da história, é algo sem piada... o artesão queria dizer que o seu tabuleiro de xadrez era algo tão valioso que não seria possível atribuir-lhe um preço; mas o que tem mesmo piada é a associação disto com as potências de base dois. Ou não.
(quanto ao artesão, parece que o Rei o deixou viver, mantendo-lhe a cabeça no devido lugar)


Leitores: lamento a injecção de matemática a esta hora... mas é que não está mesmo a dar nada de jeito na televisão. Prometo massacrar-me violentamente com uma corda e um tijolo para que isto não volte a acontecer.

1 comentário:

Anónimo disse...

Na parte que me toca, podem vir mais dessas e doutras. "O conhecimento não ocupa espaço" e é sempre bom saber que por detrás das patacoadas exitenciais há um pato sabedor das curiosidades da matemática e da vida.