14/01/2009

os pardais

Como entendo agora Camões e a cena das Tágides...
Obviamente que não me comparo a Camões, isso seria altamente estúpido. Pelo menos acho que não sou tão chato. A sério, quando um gajo vê que tem tudo para escrever e, ao mesmo tempo, não tem nada, é imensamente aborrecido.
Há dias em que sabemos exactamente o que pretendemos escrever mas não o queremos divulgar.
Claro que o meu blog é mais refundido que as Receitas no Orçamento de Estado, mas diz a Teoria dos Seis Graus de Separação que eu conheço uma pessoa que conhece uma pessoa que conhece outra... e amanhã tenho o vizinho de 80 anos a bater-me à porta a perguntar acerca do post de hoje.
Vinha a ruminar no caminho para casa e a ouvir a rádio habitual. Estava precisamente parado numa passadeira perto de casa, aguentando a embraiagem para deixar passar uma velhota que, encolhida do frio e sozinha, atravessava a rua, quando nas notícias anunciavam a deslocação de uma verba para apoio dos refugiados em Gaza.
Assim de repente, parece-me uma cretinice de merda.
Infelizmente, ou não, conheço suficientemente bem o bairro em que moro, para saber que 90% da população vive sozinha e tem mais de 70 anos. Até mesmo para um tipo meio anormal, estúpido e amacacado, como eu, faz doer um bocado naquela merda chamada coração que nos limpa o juízo em 90% do tempo, ver as velhotas a ir ao Banco de manhã bem cedo, só para poderem conversar um pouco com os funcionários. É cretino, porque os funcionários que lhes entregam as reformas, são um pouco como netos, sobrinhos e afilhados. Dão-lhes um pouco de atenção, antes delas se retirarem novamente, com os ossos fracos e mal-alimentados, mais as suas pensões de merda, para as pequenas casas sombrias onde, na maior parte dos casos, nem água ou esgoto têm...
O curioso nisto, é o desleixo perante a situação porque, como irão morrer em breve, estão acabadas e em final de vida, nenhuma mente brilhante no Município ou na Junta se lembra de fornecer um pouco mais de conforto e qualidade de vida nos seus últimos anos de existência terrena.
O positivo no meio de toda esta questão, é que por cada idoso que é humilhantemente afastado, bastando para isso virar as costas ao problema, poupa-se um tostãozinho para o novo carro da Câmara ou, em última análise, para o saquinho a entregar aos refugiados que andam há anos a matar-se uns aos outros por causa de um pedaço de terra.
O que dá vómitos, em toda a situação, é o facto das imobiliárias e senhorios aguardarem pacientemente, quais corvos e abutres, pelos restos mortais dos velhos inquilinos, de forma a venderem o seu terreno no Centro da cidade, para mais um empreendimento de luxo.
E assim se acumulam barracões de vidas terminais lado a lado com sumptuosos apartamentos de novas gerações.
Eles lá continuam, virando as costas.
Eles lá continuam, adoptando os funcionários dos Bancos em troca de um pouco de companhia no final do mês.
Eles lá continuam, em terras distantes, morrendo por uma causa à conta dos nossos esquecidos.
É giro, agradável e positivo.

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