29/01/2008

missões

Dizem que todos nós temos uma missão para cumprir enquanto seres vivos e terrenos.
Profundo? Talvez.
Supondo que existe mesmo uma outra dimensão, universo paralelo, Céu, o que seja, para onde todos convergiremos um dia - uns mais cedo que outros - faz de facto algum sentido que as nossas moléculas sejam moldadas de certa forma para que, ao menos uma vez, tenhamos a oportunidade de estar neste mundo e possamos voltar com os espíritos mais preenchidos (preenchidos com uma Vida) para o Outro Lado.
Será assim tão linear? Não sei.
A grande dúvida assenta sempre na hipótese não-provada que num determinado universo não nos consigamos lembrar do que deixámos no outro.
Não é matemático, não é exacto, é uma grande merda que nos faz pensar.

Se efectivamente cada um de nós tem uma missão, pergunto-me bastantes vezes acerca do sentido de tudo.
Que missão poderá ter um puto qualquer que morre com dois, três anos, por vezes nem tanto?
É uma missão ou uma penitência?
Sendo uma missão, estará a preencher o espírito de quem? Dele próprio ou de quem tem de assistir à sua morte?
Sendo uma penitência... fará sentido a punição por algo que nem sequer nos lembramos?
Creio que isto é demasiado complexo para o meu cérebro pequenino de pato e informático.

Todos os dias, ao acordar, faço um pequeno exercício mental.
Qual o sentido da minha existência?
Garanto que se cada um dos meus caros leitores fizer esta pergunta a si próprio ao acordar, passará um dia bastante mais deprimente e infeliz. Recomendo vivamente. Quanto mais não seja, faz-nos sentir vivos.
Saio de casa suficientemente cedo para aturar as depressões da 'coisa'.
Chego a casa todos os dias relativamente cedo (sempre que não fico preso aos problemas profissionais) para tratar minimamente da casa e das refeições.
Confesso, não tenho paciência para aturar as taras da 'coisa'.
Depois de um dia de trabalho, de problemas psicológicos acumulados e trabalhos domésticos, quero mais é sentar-me e, na falta de melhor actividade, autoanalisar-me e terminar a noite (ou começar a manhã...) a escrever.
Não é que não deseje falar... simplesmente a 'coisa' passa dias a fio sentada em frente à televisão sem a ligar; está ao lado da aparelhagem e não ouve música; junto aos livros e não lê nada. Não... é mais fácil ficar a olhar para os potezinhos de cinza e chorar.
Assim, para quem não tem de trabalhar e foder-se todo para poder chegar ao fim do mês, é relativamente simples imaginar a vida como ela era há um ano atrás e chorar.
Como tal, as conversas da 'coisa' baseiam-se sempre em morte, na sua condição de vítima universal e no seu sofrimento partilhado apenas por Deus e ignorado por milhões de carneiros que sofrem diariamente.
"O que queres jantar?"; "Quero morrer".
"Queres alguma coisa do supermercado?"; "Escolhe tu que vou morrer".
"Por que não atendeste o telemóvel?"; "Não posso, vou morrer".
Desta forma, é bastante mais agradável ficar calado na minha loucura habitual.
É injusto, coitadinha?
So what? E há alguma coisa justa nesta vida?
Viu morrer uma filha? Ya, e eu vi morrer a minha Mãe.
Deu-lhe conta de 50 anos de vida, nunca a deixou ser feliz.
Mas em contrapartida, cá ficou. Depois de 10 anos a ouvir os médicos a dizer que a avózinha ia morrer porque andava muito doente, fico sem Mãe em 6 meses.
É justo?
Que se foda a justiça.
"Ah e tal... é muito complicado perder-se um filho".
É relativo. Depende se o filho foi simplesmente um escravo do progenitor durante toda a sua vida ou não.
O conceito de justiça é sempre muito delicado.
Vejamos... entre mãe e filha, claramente que a filha era muito mais necessária neste mundo. A mãe está podre e depois de enterrar o marido e a filha, só poderá caminhar para o enterro do neto.
Pergunto-me sempre: e entre Mãe e o filho?
Epa, não quero mesmo ser mórbido, mas no que respeita a missões, parece-me que o mundo conseguiria sobreviver sem mais um informático que nem sequer é dos melhores.
A Mãe, em contrapartida, tinha a mais nobre das profissões: ensinava.
E foram muitos os que se tornaram gente importante graças a ela. Aliás, graças ao tempo que geria da melhor forma possível entre as taras da mãe, os problemas existênciais do filho e o trabalho.
Por vezes penso que não foi uma questão de saber quem merecia mais ficar ou ir. Creio que foi como que uma folga que lhe concederam após anos de tortura psicológica.
Infelizmente, teve de largar tudo para poder tirar essas férias; infelizmente, são férias com um bilhete só de ida.

Após tão interessante e animada dissertação, volto à carga com as missões.
A 'coisa'. Qual será a missão dela?
Fico realmente siderado com isso.
O que é chato é que muitas das vezes nunca chegamos sequer a saber qual foi a nossa missão.
Sabemos simplesmente que a cumprimos, porque chegou a vez do nosso nome na "lista dos viajantes".
Plantar árvores, escrever livros, ter filhos... são tudo pequenas considerações na vasta lista de missões disponíveis.
Pergunto-me também se antes de sermos colocados na vida terrena nos fornecem um catálogo de missões para escolhermos.
Tenho mesmo grande curiosidade em saber qual é a minha.
Espero francamente um dia poder descobrir.

Sem comentários: