08/06/2008

cansado

Parte I

Estou cansado.
Cansado da rotina estúpida de viver a vida num loop contínuo como se de um qualquer erro de programação se tratasse.
Por vezes parece que a Matrix existe mesmo. Somos objectos programáveis que nos escondemos nas profundezas do imaginário e ignoramos o mundo real. De certa forma, bateria certo com a outra teoria que refere que sou uma anomalia, um loop isolado num qualquer segmento de uma função. Seria altamente irónico se fosse algo criado em C.
Estou cansado de acordar de manhã e pensar que o dia vai ser uma merda. E, de facto, é mesmo uma merda. Agora que falamos nisso, também é duro um tipo deitar-se para tentar dormir e aperceber-se que o dia foi efectivamente uma merda.
Nem toda a gente faz aquilo que gosta. Nem toda a gente tem casa, carro e consegue ter comida na mesa. Nesta perspectiva, compreendo que muita gente ache que sou um cretino por me queixar de uma vida que, tecnicamente, não é uma vida de merda.
Por outro lado, estou cansado da pseudo-família. Estou cansado de ter um pai que telefona ocasionalmente (e por ocasionalmente, leia-se mesmo 'ocasionalmente'). Olho à minha volta e vejo potenciais pais que poderiam bem ser os meus. É algo que sei que não posso ambicionar. Mas vejo que há filhos que têm a sorte de ter pais assim. E é algo do qual também não me posso queixar muito... afinal, sou também uma espécie de filho adoptado, não por um, mas por vários pais... e que me parecem os melhores do mundo. E é agradável a perspectiva de ter ganho uns quantos irmãos mais velhos e algumas irmãs também. Dá a sensação que sou um tipo desocupado. Por aí... estou cansado de ter o inferno dentro de casa. Sempre pensei que o Inferno se situava nas profundezas da terra... o meu está bem próximo do Céu, algures num terceiro andar.
O reconhecimento chateia-me. Os agradecimentos deixam-me embaraçado. Mas não custava nada um 'obrigado, está óptimo assim'... mas não, o agradecimento é sempre substituído por 'estou doente', 'vou morrer', 'não venhas tarde do trabalho porque quero jantar cedo', 'és um inútil', 'não preciso de ti para nada', 'quero maçãs cozidas', 'quero peixe cozido', 'andas a envenenar-me o comer'...
Sou o feliz proprietário de um buraco negro. Invariavelmente, dá problemas. Hoje vi pela primeira vez um cano de esgoto a jorrar merda. É mais uma para sair do pote. O resto fica para o Papão.
Invariavelmente, penso que estou fodido... mas não.
A Grande Gansa dizia-me quando era pequeno que se lhe acontecesse algo, ficaria a olhar por mim.
Não sei se é por ter achado que o Pato já era suficientemente crescido, ou se por efectivamente as cenas que ensinavam na catequese serem uma tanga... se está realmente a olhar, eu ainda não consegui senti-lo.
Para a 'Coisa', o tempo mede-se nos meses após a doença; para mim, o tempo mede-se nos 22 anos anteriores.
Apesar de tudo, a 'Coisa' tem alguém que lhe resolva os problemas, alguém que vai tratando da casa como pode, alguém que lhe arranja o jantar... eu só pedia aquele beijo antes de me deitar.
Nos dias mais difíceis, em casos extremos, penso como são irónicas as coisas. E isso cansa-me.
Uma Gansa que viveu a vida a ensinar e que permitiu que muitos se tornassem médicos, engenheiros, polícias... enfim, cidadãos respeitáveis... acabou por terminar essa mesma vida com uma doença no órgão fundamental do seu trabalho. E ainda tinha muita gente para colocar na faculdade.
O Pato, por seu lado, é informático. Não ajuda ninguém. A ajuda que dá é básica, ninguém morre se ele não estiver por perto e... como tantos outros informáticos, o seu trabalho base é inovar, para que se arranjem mais problemas no que estava a funcionar bem, para que seja necessário suporte, para que ele dê suporte, e para que volte a inovar... ciclo vicioso...
A ter de escolher, coloquem na balança.
Estou cansado de ter de ver as coisas pragmaticamente a preto e branco, porque elas não são de todo a cores.
A ideia de que o mundo era colorido acabou há alguns anos atrás. Agora guardo-a na caixa das ideias, algures na mistela de neurónios que se encontra dentro do crânio.
Estou também cansado de fazer merda. Não acerto uma.
Podia ser mais objectivo naquilo que quero dizer, mas como não sou, procuro recursos refundidos para chegar ao fundo da questão. Invariavelmente, sai asneira. Percebe-se o que não quero dizer, entende-se o que não disse e, basicamente, estraga-se tudo.
O meu trabalho engloba uma componente de formação. Uma das partes do meu discurso habitual gira em torno da ideia de que se deve ter muito cuidado ao compilar o texto dos emails. Quando as pessoas não estão frente-a-frente, dificilmente se consegue expressar determinado olhar, um sorriso, uma certa entoação de voz. As palavras escritas podem ser mal interpretadas; as pessoas podem ficar feridas, ofendidas, magoadas. Em suma, ao escrever, ser o mais objectivo possível; guardar sempre as 'ideias brilhantes' para os momentos pessoais. Irónico, sem dúvida...
Por ser um imbecil, ganho a capacidade de ficar na dúvida. As coisas vão resolver-se? Vamos seguir em frente? Estraguei tudo...?
Estou efectivamente cansado de ser um animal.
Ganho o prazer de fazer passeios a solo, refeições a um e constatar que estou sozinho.
Estou cansado de passar as noites à frente daquele que é o meu material de trabalho durante o dia.
Não quero jogar mais a altas horas, não quero passar madrugadas a escrever textos para publicar no dia seguinte, estou efectivamente farto de ver nos canais de Hacking e Tecnologias do YouTube o meu objecto de diversão e não suporto perceber que as minhas ideias de trabalho e de lazer se tornaram numa relação simbiótica que funciona como uma prisão para o sujeito do sistema.
Estou cansado de me deitar e ficar a olhar para o tecto; estou cansado de ver as horas a passar; estou cansado de cozinhar para mim; estou cansado de não me preocupar se devo ou não aparar a produçao filiforme do nariz; estou cansado de viver a vida em períodos temporais regidos pela frequência de relógio da CPU.
Estou a transformar-me num objecto inanimado de plástico e silício.
Constatei que já vivi mais de um quarto da minha vida e que o conceito de felicidade é ainda algo que não está totalmente processado de forma a ser registado no meu disco rígido. É uma expressão que se mantém em memória de acesso aleatório e de forma volátil.
Estou cansado de ter os dados em RAM; preciso de os gravar de forma persistente.
Amanhã é um novo dia. Hoje, poderei deitar-me a pensar como o dia foi uma merda igual ao de ontem.

Parte II

Os patos têm sentimentos.
Os patos raramente falam dos seus sentimentos.
Os patos, mesmo que só tenham vontade de usar o seu próprio corpo para partir tudo o que se encontra à sua volta, mantém-se controlados; podem não estar propriamente sorridentes, mas estão controlados.
O controlo implica poderem escrever compulsivamente e publicar textos como se não houvesse amanhã, ignorando que todas as palavras que estão a usar são indexadas pelos maiores motores de busca.
A necessidade de escrever advém da vontade de meter a cabeça dentro do forno. Mas como o forno é pequeno demais e não temos tomates para ligar o gás... escrevemos.
Ignoramos então que algumas centenas de pessoas acabem invariavelmente neste recanto negro da inter-esfera. Basicamente, a ideia de se ter um blog é um pouco como ter uma caixa aqui ao lado da secretária: vamos escrevendo pensamentos de merda em papel e fecha-se na caixa.
Mas os pensamentos são muitos, temos de proteger o ambiente e a caixa é pequena.
Não censuro comentários, mas fico efectivamente fodido quando os fazem neste tipo de textos. A fim de não haver merda, supõe-se que não me irão falar disto ao almoço ou durante o café.

Parte III

Tentarei arranjar algo mais divertido para amanhã, de forma a que possamos todos dar umas boas gargalhadas enquanto pensamos que o mundo é um copo completamente cheio.

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