15/10/2008

horizonte longínquo

Quando eu chegava a casa, independentemente das horas, a minha Mãe arranjava sempre forma de me dar um beijo e fazer uma festa na cabeça.
Aliás, tinha um jeito brutal para olhar para mim e sem eu dizer uma palavra, dizer-me que eu estava preocupado, identificar o problema e expor cinco ou seis soluções distintas. Era brutal. Já conheci muitos técnicos de informática, mas nenhum era capaz de fazer tal triagem em tão pouco tempo. Uma capacidade exemplar, para quem nem sequer era informático... arriscaria a dizer que talvez fosse por ser simplesmente Mãe e conhecer-me melhor do que eu próprio me conheço, mas de facto, não sei.
Às vezes acho que ela é capaz de conseguir ver o que faço e de estar sempre por perto... mas são pequenos momentos de delírio, logo seguidos pela admirável lucidez de quem percebe que já não há beijo na testa para animar.
De facto ela até está por perto... num pote de alumínio algures atrás do sofá.
Há pessoal que olha para o que escrevo e percebe de seguida se algo se passa comigo; ela olhava para mim e adivinhava o que eu ia escrever no blog.
Confesso que tinha um humor um bocado negro. Ao menos tenho a quem sair nessa área.
Quando eu era pequeno às vezes fazia-se de morta... e quando eu estava já mesmo em pânico e me aproximava, levantava-se e começava a dar-me beijos.
Claro que isto foi compensado pelos meus telefonemas, anos mais tarde, dizendo que era da Polícia Judiciária e que o Pato Marques tinha sido encontrado morto.
Houve um cruzamento de pensamentos que surgiram na minha pessoa durante o velório. Por um lado só queria que ela se levantasse do caixão, na capela; por outro, fiquei sempre com a ideia que se ela fizesse isso seria eu a cair para o lado imediatamente, com o batimento cardíaco reduzido a zero.
Se é efectivamente suposto a vida fazer algum sentido, não sei exactamente qual é.
Isto é horrível, mas às vezes tenho de fazer algum esforço para me conseguir lembrar da cara dela.
Consigo lembrar-me de como ela era mas, da mesma forma, e em certos momentos, deixo de conseguir. Ou então talvez seja ao contrário, mas que se lixe.
Farto desta merda. Isto começa a ficar mais deprimente que o Orçamento de Estado para 2009. Ena, fiz uma pseudo-piada. Vou é fazer qualquer merda mais útil.
(Morrer longe seria uma merda útil, lol; mas prometi a mim mesmo que ia começar a cortar com estas piadas anti-tetânicas).

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